Durante alguns meses, quase todas as notícias sobre o Senado Federal tinham Renan Calheiros no meio. O magnetismo do presidente da casa atraiu a mídia, ofuscou seus colegas e certamente fez com que muitos episódios interessantes passassem despercebidos. Agora que a poeira da absolvição de Renan começa a baixar, os demais senadores voltam a ter a oportunidade de brilhar por conta própria. E parece que a primeira a fazer isso foi a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), em sua argumentação em defesa de uma empresa acusada de submeter empregados a trabalho escravo.
O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou, em julho, mais de mil (!!!) trabalhadores de uma das fazendas da Pagrisa, maior produtora de álcool do Pará. Segundo relatórios de fiscais do Grupo e depoimentos dos próprios trabalhadores, a maioria cortadores de cana, os empregados passavam 12 horas por dia nos canaviais, tomavam banho em igarapés, não tinham acesso à água potável, o esgoto era despejado na represa em que lavavam suas roupas e outras situações igualmente degradantes. Com base nos relatórios, o Ministério Público entrou com uma ação contra a empresa, acolhida pela Justiça Federal nesta segunda.
Antes disso, na semana passada, não se sabe muito bem por que, um grupo de senadores, Kátia Abreu entre eles, visitou, com data e hora marcada, a mesma fazenda da Pagrisa e constatou que as condições de trabalho oferecidas pela empresa são satisfatórias. O grupo voltou à Brasília pedindo que a Polícia Federal investigasse possíveis irregularidades dos fiscais durante a inspeção. Diante da pressão desses senadores, o Ministério do Trabalho decidiu suspender, temporariamente, as ações fiscalizadoras contra o trabalho escravo, elogiadas por organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho.
Ontem, em discurso no plenário, Kátia, ao tentar defender a Pagrisa, saiu-se com essa: "O que é degradante para um trabalhador do Nordeste, pode não ser degradante para um trabalhador do Sul". Ouvi esta frase
nesta matéria do Jornal Nacional, não sei se foi tirada de outro contexto. Mas se entendi direito, a senadora trocou a ordem das regiões (onde está Nordeste, leia-se Sul e vice-versa) e quis dizer que o nordestino, coitado, é um forte. Tão forte que agüenta firme as condições humilhantes citadas acima. É delírio meu ou a frase da senadora não difere em nada de um pensamento absurdo como "o que é degradante para um trabalhador branco, pode não ser degradante para um trabalhador negro?"
Semana que vem o site do Senado deve disponibilizar o discurso de Kátia e volto aqui para ratificar ou retificar o pensamento da parlamentar. Ah, e se alguém estiver interessado, os colegas que também visitaram a Pagrisa e voltaram encantados de lá são Romeu Tuma (DEM-SP), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).