Alguns especialistas em segurança pública dizem que a multiplicação de grades nos prédios, cancelas nas ruas, muros altos e afins só prejudica a segurança pública (espaço reservado para a venda do
meu peixe). Não é preciso ser especialista para perceber isso. Os caras d'O Rappa já cantavam isso naquela música "Minha alma". Como era o trecho? "... as grades do condomínio são pra trazer proteção, mas também trazem a dúvida se não é você que está nessa prisão...".
Graças ao bom Deus, se não é preciso ser especialista para desdenhar de grades, tampouco é necessário ser integrante d'O Rappa para olhar com desconfiança paliativos como esses.
Em uma das esquinas da minha rua, a uns 30 metros da minha portaria, há um destacamento do Corpo de Bombeiros. Lembro-me dele desde a mais tenra idade. O quartel, se é que assim pode ser chamado, é simpático, como os inúmeros oficiais anônimos com os quais cruzei durante toda minha vida pareciam ser. Todo pintado de vermelho, como manda o figurino, o local apresenta um agradável, pequeno e simples jardim na esquina, cercada por uma mureta de meio metro. Na continuação do terreno, ergue-se a construção, abrigando o alojamento e outros cômodos desconhecidos para mim. Na parede externa de frente para o jardim, com a qual me deparo, invariavelmente, toda vez que saio de casa, já há alguns anos o verso do hino do soldado do fogo, "vida alheia e riquezas salvar", e o brasão da corporação não constam mais, cobertos por uma nova mão de tinta. Na ponta oposta do terreno, há uma ampla garagem ocupada por ambulâncias, auto-bombas e veículos comuns.
Entre a garagem e o alojamento há um espaço "vazado", sem muros, com saídas para as ruas que passam pelo local. Este ponto seria o coração do destacamento. Ou melhor, seu rosto. Pois é por ali que os pedestres comuns têm acesso ao movimento interno. É dali que posso ver a garagem e uma ponta do alojamento. É ali que quase sempre há oficiais de plantão ou em hora de descanso, sempre, aparentemente, acessíveis aos civis que passam pelo local. Disponíveis para informar as horas, para esclarecer a razão do aglomerado de pessoas na esquina, para dizer os resultados da rodada do fim-de-semana. É logo ali, na esquina da minha casa. Era.
Porque faz uns dias que lá instalaram uma grade. Uma grade de hastes não muito grossas e até bem espaçadas, mas, ainda assim, uma grade. Ferro. Duro. Frio. O meio metro de mureta da construção agora também conta com mais um metro e meio de grade. O espaço vazado sem muros agora é cercado por dois metros de... grade. E os bombeiros que antes estavam logo ali, agora estão lá, do outro lado da grade. Não sei mais se posso perguntar as horas, não sei se não sou desejado, não sei se eles estão aquartelados, não sei os motivos (justos?) para a instalação do aparato. Sei que, a partir de agora, se em uma emergência precisar dos bombeiros, não mais correrei até a esquina. Ligarei para o 193.