Incoerência
A morte da senhora no sinal do Leblon, ao que parece causada por um jovem menor de 18 anos, fez com que alguns defensores da redução da maioridade penal voltassem à carga. É um tema polêmico. Sou contra a redução, mas o debate é saudável, nem que seja para comprovar que não adianta de nada prender adolescentes de 16, 14, 12 anos. Ou se provarem que vale a pena, tudo bem, vamos lá.
Alguns "reducionistas" têm como alvo preferido o Estatuto da Criança e do Adolescente, para eles uma "lei que protege bandidos". Dizem que o ECA é utópico, o Brasil não têm condições de pô-lo em prática, quem nasce marginal, morre marginal e que o país precisa se adeqüar à realidade. Dentre esses, há alguns que, quando falam sobre cotas raciais ou sociais, começam a alertar-nos para o êngodo, o paliativo, o equívoco que esse tipo de política representa. Afinal, não é mistério para ninguém, a solução para a educação é a melhoria do ensino básico público. Parece-me haver uma certa incoerência aí. Por que no primeiro caso o Brasil precisa enfrentar a dura realidade e no segundo caso vale a pena lutar e esperar pelo (utópico?) ensino público de qualidade, sem a necessidade de encarar distorções reais? Por que não podemos lutar pela correta aplicação do ECA? Ora, também não é mistério nenhum que, caso os conselhos tutelares, conselhos de direitos, as varas de infância e adolescência e as instituições de correção fossem como a lei prevê e exige, o número de crianças e adolescentes infratores seria muito menor.
Cotas, assim como redução de maioridade penal, é um assunto polemicíssimo. Nem tenho opinião fechada sobre isso. Mas acho engraçado que certas pessoas achem que o correto é punir adolescentes, continuar a negligenciar as entidades que deveriam protegê-los e abandonar uma lei exemplar como o ECA e, ao mesmo tempo, dificultar o acesso de pobres e negros ao ensino superior, fazendo-os esperar, sentados, pela melhoria do ensino público. Afinal, todos sabem que a educação hoje é uma porcaria e até conseguirmos melhorá-la, uma, duas gerações passarão. Se o Brasil precisa se adaptar à realidade da violência, precisa também se adaptar à realidade do ensino.
Por que para prejudicar desfavorecidos paliativos são aceitáveis (que não haja dúvida, redução de maioridade é um paliativo e um paliativo inútil), mas quando são para ajudá-los se tornam "aberrações incostitucionais que ferem a dignidade humana"?
7 Comments:
Concordo com 98% do seu texto. Mas tenho uma questão a colocar... Será mesmo que podemos considerar um adolescente uma pessoa de 16 anos??? Idade para se ter ideia da gravidade de seus atos é tão furada quanto as datas de prazo de validade. Acredito que deveriamos ter mais flexibilidade, usando como base o fato e as circunstancias que ocorreu tal crime.
Claro que discutir isso é besteira, pq o verdadeiro problema esta mesmo na educação.
ABS
O tal Aluísio deve ter falado muito besteira ontem para você escrever sobre o tema...
abs
O pior é pensar q se essa senhora tivesse atirado no pé ou na mão do assaltante, talvez agora já teria ganhado uma medalha da cidade do Rio de Janeiro.
Eu até sou a favor de diminuir a maioridade em uns 2 anos. Quem tem 16 já é marmanjo o suficiente. Se pode votar, também pode ser preso. Os adolescentes riquinhos é que iam gostar. Logo, logo ia começar uma campanha pela redução da idade para tirar carteira de motorista. Não que menores de 18 anos já não dirijam, mas daí ia passar a ser dentro da lei, e certamente haveria um boom de adolescentes motoristas (o que seria péssimo para o trânsito, mas isso já é outra história).
Não acho que dê para tratar cotas e redução da maioridade da mesma maneira. Algumas medidas podem reduzir a violência a curto prazo, sem passar necessariamente pela educação (como crescimento econômico, melhores salários para os policiais, iluminação pública decente). Não sei se a redução da maioridade funcionaria como uma dessas medidas, mas não há dúvida de que é bem fácil de aplicar. Já as cotas servem só como verniz num problema que sabidamente levará décadas, gerações mesmo, para ser resolvido. Como nada é feito paralelamente às cotas, elas sozinhas tendem a agravar a situação. Sem contar que experiências em outros países demonstram que, uma vez implantadas, as cotas não vão embora, por mais que digam que se trata de medida emergencial. Sendo assim, deveriam ser suspensas tão logo o ensino público melhorasse, mas todos nós sabemos que isso nunca vai acontecer (não o ensino público melhorar — embora tenha minhas dúvidas — mas as cotas serem suspensas). E nem vou entrar na minha polêmica preferida, de que cursos superior é muito superestimado no Brasil.
Ah, sim, e antes que eu me esqueça, acho que em casos de crime hediondo crianças e adolescentes deveriam ser julgados como adultos, mas aí seria apenas uma exceção no código penal — que é decididamente bundão e precisa ser revisto, especialmente para acabar com a quantidade obscena de recursos.
May: Já sabemos onde Carlos Bolsonaro almoça aos domingos. Quando tivermos um candidato à medalha, voltamos ao Belmonte.
Yuri: Não, nem foi por causa dele esse post. Aliás, sumiu do curso.
Rodrigo e Vitor: 18 anos é uma idade arbitrária, sim, como qualquer outra seria. As estatísticas mostram que adolescentes são responsáveis por 4% dos crimes cometidos no país. 75% dos internos da Febem estão lá por causa de crimes contra o patrimônio, 1,6% por suspeita de homicídio e 0,3% por latrocínio.
A única coisa que eu acharia maravilhosa na redução da maioridade penal seria ver adolescentes de classe média alta serem presos aos montes. Mas é bem capaz de a lei ser aplicada apenas para os pobres.
Vitor, não sei o que você quer dizer com "o curso superior é supervalorizado no Brasil", mas acho que entendo e concordo. Ensino básico e ensino técnico são subestimados, certamente. Culpa, em parte do lobby das universidades junto ao COnselho Nacional de Educação e ao MEC. Universidade não é pra todo mundo, não precisa ser. O ideal é que quem queira ir, que possa ir e lhe sejam dadas condições para tal. Mas idealizar a vida no esquema "escola-faculdade-carreira" é uma distorção, assim como é formatar o ensino básico como um preparatório para a universidade.
Ivan, é exatamente isso que eu quero dizer. Existe uma paranóia de que para "se dar bem na vida" é preciso ter curso superior. Paranóia que o próprio mercado justifica, claro. Aposto que nenhum dos leitores deste blog sequer cogitou não ir para a faculdade. No Brasil, se você é da classe média e quer continuar sendo, é praticamente obrigado a ter curso superior. O que só demonstra como somos atrasados.
Nosso Código Penal, se não me engano, é da década de 1930, tempo em que bala perdida era doce caído no chão.
Só para ilustrar o assunto e vender meu peixe, já que ninguém lê minhas matérias mesmo, deixo aqui o link para uma matéria que fiz sobre a redução da maioridade penal no início do ano. http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/texto_link.asp?cod_link=1886&cod_chave=2&letra=h
Aliás, os links da Multirio e do site para o qual trabalho foram inseridos na coluna ao lado.
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